Já é dezembro, e um ano muito atípico se aproxima de seu fim. Muitos historiadores afirmam que o ano de 2020 será estudado e considerado um ano histórico pelas mudanças e inovações que trará a trajetória da humanidade. Mas este texto não é para falar sobre isso!
Esse texto é para falar como certamente 2020 será um ano lembrado por cada pessoa que o viveu; por mim que escrevo estas palavras, e por você, leitor, que em sua vida agitada, parou um momento para compartilhar comigo estas reflexões.
Em meio a cada singularidade histórica que nos compõe e nos constitui, é possível dizer que todos traremos em comum esse marco que 2020 representou. Nossa vivência, contudo, é única. O que vivemos e o como apreendemos cada experiência é um livro cujo único leitor a dominá-lo é você mesmo.
Outro dia, em minhas conversas com minha mãe, ela chamou 2020 de o “ano perdido”. Acredito que ela não deve ser a única a pensar desta maneira. Dos estresses constantes de tentar manter uma vida que já não mais se formata a um mundo em que não ver a família passa a representar um ato de amor e trancar-se em casa, um ato de solidariedade; dos desafios e resiliências para aguentar as notícias e incertezas diárias que nos arremataram para uma prisão obscura de preocupações; dos lutos por todos os planos não vividos e por todos os “e se…?” deixados à deriva em nossa imaginação; o luto por todos aqueles que perdemos… De fato, a vontade que predomina talvez seja a de apagar 2020 de nossas memórias.
É possível manter a mente sã em meio a tudo isso?
Como manter-se saudável em meio a isso? Como manter-se, simplesmente? Podemos variar as circunstâncias, o momento, a intensidade, a frequência, mas compartilhamos as lágrimas certamente derramadas em algum momento deste ano.
Bom, caro leitor, se você chegou até aqui na expectativa de que este texto fosse culminar em uma resposta, lamento desapontá-lo. Até porque eu também ainda estou no processo de descubrí-las. Mas acho que esse é o primeiro ponto que talvez seja interessante deixar marcado aqui nesse breve diálogo: sentir-se bem é um processo, não um estado dado. Um processo que estende-se pela vida, e da qual este texto, esse ano, e suas lágrimas são partes constituintes – e não antagonistas como muitas vezes pensamos. Trata-se, portanto, de um processo que, em grande parte, está fora de nosso controle. Fomos jogados no mundo e nele, por vezes, nos sentimentos desorientados, colocando todo nosso esforço para navegar em correntezas invencíveis.
Entretanto, não somos meros agentes passivos à espera de termos o futuro determinado e conduzido pelas instabilidades do mundo. Temos a possibilidade de atuar ativamente no mundo, de transformá-lo e nos permitir ser por ele transformado. Nós autorizamos e influenciamos, em menor ou maior medida, as transformações que ocorrerão conosco.
Não venho por meio destas palavras instaurar um discurso ingênuo ou de uma auto-ajuda superficial. Não falo com a propriedade de uma psicóloga, terapeuta, médica, ou qualquer profissional formada no assunto. Falo meramente como alguém que viveu este ano, e que sobre ele reflete na tentativa de entendê-lo, mesmo que o dado a priori seja de que o entendimento completo nunca será alcançado.
Considerando, então, que sentir-se bem é processo, e que temos nossa parcela de atuação ativa sobre este processo, o que podemos fazer? Não há uma receita pronta, algo que funcionará para todas as pessoas e para todos os problemas do mundo. É necessário conhecer-se, dar espaço ao silêncio e a escuta de si próprio, experimentar, e deixar-se afetar pelo outro e pelas mais diversas experiência.
O autocuidado
Autocuidar-se representa uma parte importante desse processo e da nossa implicação ativa nele. Dentre as formas variadas de autocuidado, escolha aquela que melhor lhe represente – pode ser a música e os pequenos prazeres vividos diariamente, os encontros significativos que nos constituem, as diversas terapias possíveis que podemos frequentar, o alimentar-se bem, o praticar atividade física, o desconectar-se brevemente das redes sociais. É, acima de tudo, o permitir ser ouvido por um outro, o permitir aceitar que não está tudo bem, e que talvez seja necessário ajuda. É lembrar-se de que não estamos sozinhos, por mais que por vezes este pensamento seja muito forte.
São muitas as possibilidades. Nenhuma traz um efeito pronto e imediato, e isso é fundamental de ser destacado. São pequenos movimentos em um processo contínuo e que se estende por toda a vida. Neste processo, o autoconhecimento representa um dos maiores recursos para o enfrentamento daquilo que o mundo nos traz. Um teórico uma vez disse que vida é movimento; é esta dialética constante e interminável de oposições e sínteses que faz da vida “viva”.
A enfermidade, por sua vez, é a negação deste movimento. Não neguemos, pois, o que 2020 trouxe a nós. Nos cuidemos e cuidemos daqueles próximos a nós. E aí, talvez, estejamos um pouco mais prontos para voltar o olhar para 2020, e todo o sofrimento nele vivido, não como um ano perdido, mas como um ano em que cada um de nós viveu processos difíceis e únicos de nossas vidas, que deixarão marcas que já incorporamos, sem mesmo perceber, como parte de nós. E cabe apenas a nós saber como cicatrizá-las.
A VHMOR deseja uma boa virada de ano a todos!