PETER KEETMAN E OS DESLOCAMENTOS VISUAIS NA FOTOGRAFIA DE RUA

Fabio Salun

Peter Keetman foi um fotógrafo alemão, nascido em 1916 e que faleceu no ano de 2005. Aprendeu a fotografar com e pela influência de seu pai, estudou fotografia em Munique e foi um dos fundadores do grupo “fotoform”, que teve repercussão mundial na década de 60. Um dos seus trabalhos mais conhecidos é uma série de imagens que produziu durante uma semana em uma fábrica da Volkswagen. Estas imagens não retratam o dia-a-dia dos trabalhadores, muito menos os espaços ou equipamentos da fábrica, mas se concentram nos grafismos e desenhos criados pelas peças e elementos que eram encontrados na empresa.

Mas independentemente das experiências que produziu na fábrica da Volkswagen, esse sintoma se expande a toda sua produção. O fotógrafo também atuava muito na fotografia de rua e uma das experiências a que se propôs era a de utilizar longos tempos de exposição para capturar o movimento da cidade que vinha se tornando cada vez mais contemporânea. A partir de uma ampla exposição do obturador captava transeuntes em cenas noturnas criando imagens fantasmagóricas e distorcidas ampliando e explorando as possibilidades visuais da fotografia.  

Ao apontar suas lentes aos espaços urbanos, Ketmman procura também alguns sintomas de uma fotografia deslocada nos espaços arquitetônicos, captando não o espaço urbano propriamente dito, mas principalmente seus movimentos, desenhos e grafismos. 

As imagens que produzia na rua, assim como as que produziu na fábrica, não demonstram uma preocupação com o lugar ou tema, o valor mais relevante em suas composições são os desenhos dados por um enquadramento conciso e pelos jogos visuais que estabelecem os objetos do cotidiano. A leitura de suas imagens pouco permitem ver ou reconhecer o objeto, pouco serve por seu aspecto arquitetônico ou documental, mas cria um dinamismo e um jogo visual complexo, preenchendo o espaço de formas e repensando a visualidade do objeto fotográfico.

Peter Keetman não se incomodava em desvincular a imagem fotográfica de seus significantes reais. Em “reflexos nas gotas” fotografou gotículas de água (provavelmente da chuva) em uma superfície refletora. Toda a imagem possui uma textura dada pelas gotas na superfície que refletem a imagem enquadrada ao fundo. Este fundo apresenta também faixas escuras (acima mais escuras que as de baixo) onde é possível perceber uma silhueta (provavelmente do fotógrafo) que, como fractais, repete o mesmo desenho em uma infinidade de elementos separados se colocando em todos os universos particulares que são dados pelas gotas. A imagem possui um dinamismo criado pelos ritmos das bolhas que, ora maiores ora menores, colocam os olhos do espectador em um frenético movimento, sem começo nem fim.

Assim, a partir da produção fotográfica de Peter  Ketemman, podemos perceber que o sintoma da fotografia deslocada aparece também no trabalho da fotografia de rua, mostrando que, além de belíssimas imagens,   em todos os campos da fotografia existe a possibilidade de desarticular a imagem produzida pela fotografia do espaço referencial do qual ela saiu.

Fábio Salun

Mestre em Artes Visuais pela UDESC

fabio.salun@gmail.com

Referências:

BARTHES, Rolland. A câmara clara: notas sobre fotografia. Tradução de Júlio Castañon Guimarães. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.

BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Tradução de Sergio Paulo Rouanet. São Paulo: brasiliense, 2012.

DUBOIS, Philippe. O ato fotográfico e outros ensaios. Tradução de Marina Appenzer. Campinas – SP: Papirus, 1993

FLUSSER, Vilém. Filosofia da caixa preta. São Paulo: Hucitec, 1985.

HACKING, Juliet. Tudo sobre fotografia. Tradução de Fabiano Moraes, Fernanda Abreu e Ivo Korytosky. Rio de Janeiro: Sextante, 2012.

KRAUSS, Rosalind. O Fotográfico. Tradução de Anne Marie Davée. São Paulo: Gustave Gili, 2014.

MAKOWIECKY, Sandra. Representação – a palavra, a idéia, a coisa. In: Cadernos de pesquisa Interdisciplinar em Ciências Humanas. Florianópolis, nº 57, p. 02 – 25, 2003

#Fotografia

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