08/10/2018 VHMOR
Thiago Moyses é um cineasta de produção independente que coleciona mais de 10 curtas e 5 longas metragens na carreira como diretor (com 2 já lançados). Também atuou nestes e em outros projetos como diretor de fotografia, montador, designer de efeitos especiais, roteirista e animador. Seu longa-metragem “Síndrome de Pinocchio” teve destaque em 2009 ao estar entre os 10 finalistas na prévia brasileira do Oscar 2010 para indicação de melhor filme estrangeiro.
Seu mais recente longa-metragem, “Z.A.N.”, foi selecionado no STUFF Film Festival no México, além de distribuído internacionalmente pela Shami Group (EUA), estando em cartaz digitalmente pela Amazon Prime e Amazon nos Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha e Japão. Terminou recentemente os longas “Circunstâncias do Amor” e “Hopekillers”, que estão em fase de distribuição e inscrição em festivais. Atualmente está em pré-produção de seus dois novos projetos, o longa pós-apocalíptico “Down Earth” e a série de animação “Hopekillers – The Animation”. Em entrevista à VHMOR, Thiago fala um pouco sobre seu processo de produção.
Como você define seu processo criativo?
Uma pessoa criativa aprende como funciona seu processo criativo quando resolve transformá-lo em seu ganha pão, sua profissão. Eu sempre fui criativo, desde antes de ser alfabetizado. Minhas primeiras criações eram desenhos e estórias orais que contava como se as estivesse vivenciando. Muitos de meus roteiros atuais começaram quando eu era criança ou adolescente – são personagens de estórias que escrevia, quadrinhos que desenhava, enredos de partidas de RPG (Role Playing Game) que eu mestrava, inclusive, baseando personagens nas personagens jogadas por pessoas de carne e osso. Eu entendi depois que isso funciona como um laboratório criativo, e isso vem antes de qualquer laboratório de roteiro. Defino minha forma de criação como caótica, atemporal e que é hoje organizada em etapas conscientes: 1. O ponto de inspiração original, 2. A brincadeira com as ideias derivadas da inspiração, 3. O ócio criativo para desenvolvê-las consistentes e ricas. Daí a obra criada vai para o papel – papel digital no caso.
Começo a escrever a narrativa e faço o primeiro Draft (rascunho) muito rápido, pois estou embalado pelo ócio criativo. Essa é a Quarta Etapa. Depois eu sinto que o material está muito cru e preciso de referência e mais inspirações. nessa segunda fase eu passo a ver mais filmes, principalmente no cinema, ir ao teatro, museus, sair, procuro também relações sexuais, pois tudo isso abre a mente para uma criatividade densa e focada na obra já em curso. As ideias são potencializadas e alimentadas.
Quais ferramentas/hábitos que você utiliza na hora de começar a criar um roteiro de um filme/série?
Me isolo de perturbações menores. Limpo minha mente, por isso o isolamento, até de problemas maiores. Eu tento resolvê-lo antes ou depois. Se não consigo, resolvo ignorá-los durante o processo. Apesar de parecer aleatório cumpro agendas porque consigo manter o prazo de entrega. Inclusive é fundamental ter prazo de entrega, a criatividade solta não progride, não se transforma em nada. A minha criação está ligada ao universo onírico e lúdico. Se satisfazer como criança ajuda a resgatar esse universo. Quanto mais telas de computador/televisão eu tenho melhor. No celular converso assuntos com amigos que, muitas vezes, sem querer, levam a uma ideia. E quando não, descansa minha cabeça da constante criação e execução.
De onde vem suas inspirações e motivações para criar?
Primeiramente de sonhos. Muitas vezes sonho um filme completo, com tudo, todos os detalhes. Outras vezes uma ideia ou filme ou espetáculo, ou o conjunto do que assisti num período de tempo. Algumas vezes por encomenda, coloco o que deve ser criado na cabeça, como uma semente e acabo sonhando uma ideia. Raramente a crio em laboratório, de forma analítica, juntando peças como um quebra-cabeça criativo usando os meus estudos e uma decupagem da minha própria estrutura de criação para fazê-lo. Minha motivação é algo simples e sinistro. A criação é como uma maldição, filmes inteiros, estórias, etc ficam me atormentando e preciso tirá-las de minha mente e jogá-las para o papel e para a tela.
Como você lida com bloqueios criativos como o perfeccionismo e a ansiedade?
Sobre a ansiedade, a experiência ajuda com isso. Sempre fui muito ansioso e isso quase me deixava louco na preparação, execução e finalização de um longa metragem. Isso fez com que eu criasse um método veloz de produção – método que desenvolvi junto com Raphael Farias – assistente de direção e parceiro nos projetos – para que pudéssemos rodar bem rápido. Assim reduziríamos a verba ao mínimo para viabilizar o projeto e tão logo jogá-lo para a pós produção. Entretanto, a pós-produção ficava longa por causa dos inúmeros defeitos de se filmar rápido, com pouca equipe e sem verba. Aprendi a esperar. Nessa nova fase, minha equipe, parceiros e eu buscamos executar da melhor forma, entregar o mais próximo possível do perfeito e não comprometer a obra por causa de recursos ou falta de tempo. A busca do perfeccionismo começa no roteiro – não me contento em escrever algo razoável. Quando a obra já está mais estruturada e visualizo o final e o início, personagens, etc, é mais fácil.
Mas quando estou no começo de um roteiro é mais complicado criar elos e sequências narrativas coerentes e sólidas, com cenas que precisam ser marcantes, incríveis. Eu não tenho medo de não corresponder às expectativas porque eu sempre cobro mais de mim do que os outros.
Como seus filmes/séries se relacionam com você?
São partes de mim, filhos não biológicos, espelhos, rebeldes, livres, mesmo quando nascem tortos e mal alimentados, como muitos que fiz, infelizmente, por falta de recursos e estrutura. Mesmo assim ainda me vejo neles e eles representam a situação que eu me encontrava. Os novos filmes que virão já mostram uma nova faceta, um amadurecimento, e estão totalmente integrados com a minha vida. Vou fazer duas séries, uma de animação, e, como nos filmes, também é um pedaço de mim, do meu ponto de vista, de uma visão humanista que tento ter do mundo mas sem ficar preso em mim.
Qual o seu último trabalho? Fale um pouco sobre o processo criativo dele.
Down Earth foi uma ideia que tive no voo deixando o Brasil para a Alemanha. Pensei que precisava de um filme barato e muito bom, com poucos personagens, que pudesse ter efeitos bonitos e uma narrativa forte e sensível. Fui escrevendo o roteiro e peguei várias coisas de como criar um filho e coloquei lá, de uma criança que não tem ninguém para criá-la, e ela quer ser criada, então existem momentos interessantes num filme de sci-fi num futuro desolado. Também fala da solidão, algo muito comum na minha vida. Estou sem amigos ou família aqui, então a vivência da solidão é muito forte e ficou transplantado no texto e no filme. A solidão, aliás, é um tema recorrente, está em outros projetos também. O processo criativo também envolve a equipe, que cria junto ou soma com ideias ou criações em cima do meu texto que ajudam o filme a crescer ainda mais, a ser mais rico em conteúdo.