Fabio Solun
Neste breve texto me proponho a fazer uma reflexão teórica sobre minha produção artística, meu objetivo é levantar alguns problemas e conceitos que ela apresenta e tentar refletir teoricamente sobre eles. O ponto que me chama a atenção e que vai basear toda essa reflexão é o conceito de deslocamento que meu processo poético apresenta, utilizando elementos e processos típicos da linguagem fotográfica para distorcer a visualidade e repensar o que é a realidade dentro do campo da fotografia.
Neste sentido, uma questão que parece surgir como potência é a possibilidade do recorte e do enquadramento, existem imagens fotográficas que se utilizam do recorte e do enquadramento e acabam por desvincular a imagem fotográfica do espaço referencial ao qual retira sua imagem, é o caso desta imagem “sem título” que faz parte da exposição “Fronteiras Perdidas: limites dissolvidos entre o abstrato e o figurativo”. Aqui o objeto e os elementos da realidade visível não se revelam, apenas dão margem à imaginação.
Outra questão que diz respeito aos deslocamentos visuais na imagem fotográfica são os problemas que o ponto geometral apresenta em relação à imagem. A imagem decorrente de determinados pontos geometrais recria e modifica as características do objeto fotografado, criando uma visualidade diferente, modificando-o, enfim, deslocando-o. Nesta imagem, uma caixa geometricamente decorada é colocada sobre uma mesa de madeira, a perspectiva não linear sobrepõe o elemento à mesa escondendo a diferença de profundidade dando a impressão de uma imagem diferente e que distorce a realidade.
Em fotografia, o uso de espelhos permite captar raios de luz (e, portanto,imprimir no papel fotográfico) objetos que não estão diretamente colocados diante da objetiva. O espelho em si, em tese, não aparece na imagem, o que aparece é o objeto (ou cena) que ele reflete. A superfície reflexiva do espelho rebate ao filme (ou sensor) raios luminosos que não estão diretamente no campo de visão da objetiva fotográfica, mas da superfície reflexiva do espelho e, portanto, quando surge em fotografia, introduzirá ao espaço fotográfico um novo problema espacial. É o caso desta imagem onde as árvores de um rua se refletem na superfície do vidro e se sobrepõem a persiana amarela que se encontra na parte de dentro favorecendo a distorção da imagem e de seu objeto.
Para encerrar, gostaria ainda de pensar os deslocamentos visuais na fotografia que são proporcionados pela relação que a linguagem estabelece com o tempo, Walter Benjamin dizia que a máquina fotográfica revelou um mundo de imagens e de possibilidades estéticas nunca vistas até então, cita como exemplo as imagens de Blossfeldt que mostrou que “no equisseto as formas mais antigas das colunas, do feto arborescente à mitra episcopal, nos brotos de castanheiras e aceráceas, aumentadas dez vezes, mastros totêmicos, no cardo um edifício gótico” (2012, pág. 95).
Assim, da mesma maneira que o aparelho fotográfico permitiu ao homem olhar fragmentos e detalhes que não eram percebidos pelo olho humano, ele também permitiu ao homem transitar visivelmente por diferentes temporalidades, e é a partir disto que o anamorfismo cronotópico proposto por Arlindo Machado entra nesta reflexão. É importante pensar que na fotografia o tempo é também um problema de espaço, “o tempo na fotografia é pensado do ponto de vista espacial, uma inscrição no corpus da imagem” (COSTER, 2016, pág. 89), na foto ele só pode ser pensado em termos de representação, “a fotografia congela o espaço não o tempo” (COSTER, 2016, pág. 90). É o caso da minha série “Virtuais” onde registro o cotidiano do centro de Florianópolis não para registrar as pessoas e seus ambientes de convívio, mas principalmente os rastros espaço-temporais deixados por elas.
Assim, nesta breve reflexão tentei colocar em xeque alguns conceitos e problemas que aparecem em minha produção artística, que transitando no campo da fotografia, parece ter como objeto pensar como o uso dos elementos fundamentais da linguagem permite a distorção da realidade. Partindo da relação que a fotografia estabelece com o real para refletir sobre o irreal, problematizando não apenas o objeto e sua representação, mas também a própria linguagem fotográfica.
Tentando nomear esta fotografia pode-se pensar, a princípio, no conceito de abstrato, um termo comum e muito utilizado pelos fotógrafos e teóricos ao longo do tempo, mas que, na minha maneira de ver já de início apresenta um problema conceitual: estas imagens fotográficas não apontam um problema de abstração simplesmente porque toda fotografia, por mais figurativa que seja, é uma abstração pelo aspecto mecânico do qual deriva seu processo. Para a fotografia o problema da “não figuração” não é um problema de abstração como o foi para a pintura, mas um problema de deslocamento da imagem fotográfica de seu espaço referencial.
Enfim, uma fotografia deslocada, é disto que se trata este trabalho, uma série de deslocamentos visuais dados pelo fazer fotográfico que, a partir do uso dos elementos de sua linguagem, busca compreender como é que o real pode ser percebido pelos olhos da fotografia. Esta fotografia deslocada consiste, portanto, em adentrar pela linguagem fotográfica para dela extrair, não aquilo que ela se propõe a fazer (criar cópias da realidade visível a partir da impressão de raios luminosos), mas aquilo que se pode fazer com ela (entendendo como sua linguagem atua na relação entre a fotografia e o real).
Fábio Salun
Mestre em Artes Visuais pela UDESC
fabio.salun@gmail.com
Referencias:
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