Quando entrei em contato com essa impressionante escultura do Atlas em outubro de 1989, construída sob uma coluna (telamon), tive o privilégio de observar imediatamente todos os lados da escultura. Por causa de seu estilo incomum e desproporções corporais percebidas, eu queria descobrir o nome do artista desconhecido que criou o trabalho, sem pensar que esse insight viria depois de muitos anos de pesquisa. A altura da escultura, feita de madeira de amieiro, é de 7/5 “Florentine elbows” ou 81,76 centímetros. Devido à sua estrutura, a madeira de amieiro é adequada para a criação de esculturas e outros objetos, e também para pilares em obras.
Leonardo aceitou a ideia cosmológica de mundo de Ptolemean, segundo a qual a natureza de cada planeta consistia em quatro elementos cósmicos: terra, água, ar e fogo, que estavam localizados em quatro esferas concêntricas, com a terra no centro, como a mais pesada, seguido pelas esferas de água, ar e fogo. A imagem geométrica dos quatro elementos que compõem o mundo é formada com precisão matemática nesta escultura de Atlas, como por exemplo o elemento da terra, paralelo à interpretação das camadas geológicas da Terra que são apresentadas de uma maneira particular usando um método aritmético para dobrar o cubo, segundo Codice Atlantico (1504). O elemento água é enfatizado não só na forma como a escultura é formada, mas também pela posição simbólica do corpo, que forma um triângulo equilátero, relacionado a uma superfície plana, pelo qual somos capazes de construir o icosaedro de Platão, que simboliza a água, enquanto podemos reconhecer o elemento do ar através da interpretação da respiração, visto nas quatro mudanças características que o mar sofre, isto é, marés altas e baixas, que fazem com que a superfície da água seja ondulada, o que tem um papel fundamental na respiração. Finalmente, devemos mencionar o elemento fogo, que encontramos na construção da pirâmide de luz mono-ocular na escultura de Atlas, como o observador da imagem refletida do Sol ou da Lua na superfície ondulada da água, embora a pirâmide, como o elemento fogo, é formada pela escultura do próprio Atlas de uma maneira geométrica específica.
Leonardo da Vinci tendia a misturar arte e ciência com extrema precisão matemática ao longo de todo o seu trabalho artístico. Esta suposição foi o ponto de partida para a atribuição desta escultura engenhosa de Atlas. Os números como medida de beleza são centrais na apresentação gráfica desta pesquisa, não apenas em relação ao uso da proporção divina na formação da escultura, mas principalmente em relação às leis das formas morfológicas, da ótica e da astronomia. A escultura grotesca de Atlas é formada com base na reflexão de um corpo na superfície ondulada da água, como uma analogia para a reflexão do corpo em um espelho semi cilíndrico, a fim de representar o fato de que a natureza da Lua é semelhante à natureza da Terra. A forma como a escultura é formada está quase incontestavelmente ligada ao pensamento científico de Leonardo nos campos da óptica e da astronomia.
Em nossa pesquisa sobre a formação da escultura de Atlas, encontramos o fenômeno da formação do mundo inteiro, congelado em uma forma baseada no reflexo de um corpo na superfície ondulada da água na qual a transformação anamórfica do gigante em um anão ocorre. Se empreendermos a reconstrução da imagem anamórfica da escultura de Atlas em sua forma original, a fim de identificar ou reconhecer a fisionomia oculta do rosto, talvez possamos chegar a uma descoberta interessante revelando um auto-retrato do artista. Seu corpo é como uma coluna em pé sobre um pedestal, como se estivesse na Terra, formando a base da coluna, enquanto, segurando a capital em sua cabeça, ele de fato segura o mundo inteiro.
A atribuição da escultura grotesca do Atlas foi realizada através de análise morfológica e comparativa de esboços e anotações similares em manuscritos de Leonardo. Esta peça confirma que aqueles historiadores estavam certos em tentar caracterizar Leonardo como um maneirista, como um misterioso mago e um pensador inescrutável, que, de acordo com essa escultura, construiu uma nova forma e estilo com base em óptica e astronomia.
*Drasko Dolic é autor do livro “A Study of the Grotesque Sculpture of Atlas” e “The Grotesque Sculpture of Atlas in Relation to Leonardo’s Art and Science”. E a última edição de seu livro de 2017 intitulado “Leonardo da Vinci: una nuova opera da attribuire al genio del Rinascimento”, publicado pela NePedizioni em Roma.
Tradução: Bárbara Gual
Revisão: Lívia Fernandes